A Importância da Contação de Histórias na Evangelização

A Importância da Contação de Histórias na Evangelização

 

Carla Betta (*)

Jesus ensinou por parábolas. Ponto. Nem precisaria das mil palavras que me foram concedidas para discorrer sobre a importância da Contação de Histórias na Evangelização (infantil, pré-mocidade, mocidade). Ele é o Mestre Maior e o que Cristo faz é indiscutivelmente a melhor maneira.

Mas, esse é um assunto fascinante e de suma importância. E, de fato, quando compreendemos o que fazemos, somos mais genuínos e procuramos nos aperfeiçoar. Então, vamos lá!

As histórias comovem nossos sentimentos em comum e nossos sentimentos particulares. Podemos observar que muitas histórias contêm elementos comuns em inúmeras épocas da história e em diversos locais geográficos. Regina Machado, em seu livro “Acordais” (1), mostra duas histórias de locais e épocas bem diferentes e impressionantemente semelhantes! A primeira é um conto tibetano, cujo herói se chama Ring Pai e, salvo algumas diferenças, a essência de ambas narrativas é a mesma: um homem, que mesmo posto à prova, titubeia, mas não mente. A versão brasileira, recolhida por Luís da Câmara Cascudo, no livro: “Contos Tradicionais do Brasil”, chama-se “O boi Leição”. O que fez com que houvesse tantas semelhanças entre histórias, geográfica (Tibet e Brasil) e historicamente (Antiguidade e Brasil colonial), tão diferentes? É o que Regina Machado e eu nos perguntamos. Os junguianos dirão que isso se deve ao inconsciente coletivo, que nos permeia desde o início dos tempos. Temos um denominador comum percorrendo épocas e locais.

Cada história também provoca sentimentos diferenciados, pois cada um de nós tem uma trajetória individual, um modo de sentir e interpretar próprio. A cada ouvinte a narrativa rememorará um fato particular e reverberará em um caldo de emoções singular.

O fantástico, o “era uma vez” por si só desenvolve a criatividade, a cognição, enriquece, amadurece e estimula a expressão dos conflitos psicológicos inerentes a todo ser humano, mas que é sentido de modo próprio e individual.

Desde o início do desenvolvimento das suas habilidades de comunicação e fala, o ser humano conta histórias. Entre os povos ancestrais, elas promoviam momentos de união, confraternização e trocas de experiências, ajudavam a passar o tempo, vencendo o tédio e, obviamente, inseridas na cultura de cada povo, transmitiam os conhecimentos e os valores morais, culturais e históricos daquela civilização.

A contação de histórias desperta na criança o lado lúdico, característica muito importante para seu desenvolvimento. É no lúdico que a criança desenvolve criatividade e senso crítico. Como vimos, a contação de histórias desperta a imaginação, as emoções, o interesse e as expectativas dos seus ouvintes. Percebe-se que, através delas, todas as pessoas são capazes de absorver valores morais e sociais, e é nesse contexto que entra a importância desta como prática educativa na Evangelização.

As histórias conversam com o mais profundo do inconsciente e esse é seu maior poder na resolução de conflitos e na transmissão de valores morais. Emocionalmente, os valores morais criam raízes mais profundas se passados nas entrelinhas, na conversa entre história e inconsciente. Se apontarmos e ordenarmos: “Faça isso ou aja dessa maneira”, principalmente no que tange às crianças e adolescentes, essas ordens mal chegam aos ouvidos. Recordemos de nossas infâncias e nos veremos distraídos ou entediados quando “levávamos bronca”. Há poucos momentos nos quais uma repreensão surte efeito. No entanto, os exemplos e as histórias nos educam de modo sutil e profundo, ao mesmo tempo.

Sabia disso Jesus Cristo. Ao final da parábola do bom samaritano, termina indagando:

 

Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?

Aquele que teve misericórdia dele, respondeu o perito na lei.

Jesus lhe disse: Vá e faça o mesmo.

 

E deixa a conclusão ao ouvinte.

Bruno Bettelheim, em seu livro “Psicanálise dos Contos de Fadas” (2), nos mostra o quão as histórias conversam, inconscientemente, com os conflitos psicológicos, apresentando soluções a serem absorvidas pelas crianças.

 

“É fácil esquecer o quanto as histórias podem ser misteriosas e poderosas. Elas fazem o seu trabalho em silêncio, de forma invisível. Elas trabalham com todos os materiais internos da mente e do ser. Elas tornam-se parte de você, ao mesmo tempo em que o transformam.”

Bem Okri (3)

 

Portanto, devemos preterir as histórias que, diretamente, buscam passar uma lição ou uma moral. Não devemos traduzir o ensinamento contido nas entrelinhas da história, correndo o risco de enfraquecer esse ensinamento, pois, principalmente, as crianças e jovens compreendem e internalizam a mensagem da narrativa inconscientemente.

Assim, ao final de “Chapeuzinho Vermelho”, (que todos conhecem) não se diz: “Devemos obedecer à mamãe”, pois isso está suficientemente esclarecido pelo desenrolar da trama. Ao tornar consciente essa mensagem, deixá-la à mercê do racional, corremos o risco de a criança formular um pensamento oposto, já que, convenhamos, obedecer à mamãe é chato. Diferentemente do adulto, que também recorre à racionalização e à reflexão para complementar seu entendimento.

Enquanto escrevia este artigo, minha filha telefonou e minha neta estava se queixando, ao fundo, queria tomar sorvete e sofrera uma negativa. Com três anos, sim, ela estava obedecendo à mãe e chateadíssima por isso. Se, nesse momento, ela ouve a história “Chapeuzinho Vermelho”, ela pode internalizar, inconscientemente, a importância de obedecer à mãe. Se a narração terminar em aconselhamento, esse conceito se perde, pois anuir à mãe significa ficar sem sorvete.

Nós, adultos, com a função consciente sobreposta ao inconsciente, precisamos de explicações, por isso, as fábulas, embora travestidas com personagens do mundo animal, são acompanhadas da “Moral da História” e foram escritas para adultos. No Evangelho Segundo o Espiritismo, a cada passagem do Mestre, a cada parábola, são tecidos comentários não só esclarecedores, mas também reflexivos. O entendimento adulto atinge uma camada diferente, mais intensa e profunda.

O que não acontece com a criança, em que a imaginação e a fantasia se confundem com a realidade. Por isso, é a linguagem metafórica das histórias que a atinge.

 

(*) Carla Betta é contadora de Histórias desde 2010.

https://www.instagram.com/carlabetta.historias/

https://youtube.com/channel/UCIhjKP3BY2x4GQS6TnX6Pmw

 

Referências:

 

(1) MACHADO, Regina Stella Barcellos. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias, 1ª edição, DCL, São Paulo, 2004.

 

(2) BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas, 37ª edição, Paz & Terra, São Paulo, 2009.

 

(3) Bem Okri, Birds of Heaven (Pássaros do Paraíso), Londres, Phoenix, 1996, citado em:

PERROW, Susan. Histórias Curativas para Pensamentos Desafiadores, Editora Antroposófica, 2013

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