Relato sobre surdez
Relato sobre surdez
Sou Evangelizadora Infantil e ao assistir a Live sobre surdez1, resolvi compartilhar a minha experiência com vocês.
Nasci com uma perfuração na membrana do tímpano do ouvido esquerdo. Na minha infância, sofri muito com dores de ouvido e com muita secreção devido a infecções contínuas. Passei pela primeira cirurgia aos 12 anos de idade, onde foi corrigido esse problema de infecção.
Continuei sempre com acompanhamento médico e aos 48 anos, já diagnosticada com perda de audição moderada do ouvido esquerdo, fui submetida a uma nova cirurgia para cessar a infecção que estava se apresentando novamente. Fui alertada que o problema de audição não seria corrigido, podendo até mesmo se agravar. Como a perda de audição já estava avançada, precisei usar aparelho auditivo. Foi um bálsamo para mim, que já sentia grande dificuldade no trabalho material, bem como na Casa Espírita.
Nesse interim, em um dos exames de audiometria, foi constatado também a perda leve de audição no ouvido direito. Mas conseguia realizar o meu trabalho junto às crianças, de maneira satisfatória.
Porém um dia senti um vácuo no ouvido esquerdo e percebi que não estava escutando quase nada. Achei que era problema do aparelho auditivo. Mas ao realizar uma nova audiometria, foi diagnosticada uma perda severa de audição, sem chance de correção. Nenhum aparelho auditivo resolveria essa questão. A solução encontrada foi o uso de aparelho auditivo no ouvido direito para melhorar a escuta que, nesse momento, já estava com uma perda moderada de audição.
Foi um momento muito complicado. Já estava aposentada do trabalho material. Mas meu trabalho na Casa Espírita ficou comprometido. Ficar com as crianças passou a ser uma tarefa difícil. Eu saía exausta das aulas de Evangelização pelo esforço de não deixar escapar nada, de poder atender a todas as crianças, muitas falam baixo demais. Mesmo com todo amor que tenho no coração, sentia que não estava alcançando o objetivo das aulas, por conta de todo o esforço necessário para atender os pequeninos.
Comecei então a ficar constantemente na Escola de Pais. E, para mim, foi um reencontro como Evangelizadora. Como nos sentamos em círculo, consigo assimilar melhor as falas. Porém, se alguém estiver do meu lado esquerdo e falar algo sem me tocar ou chamar à atenção, muitas vezes sente-se ignorado, quando na verdade não escutei o que a pessoa disse. E isso acontece em todos os lugares, em variadas situações.
Na Live Os desafios da comunidade surda1, as meninas disseram que os surdos são visuais e, para alguns, a leitura labial é fundamental. Concordo plenamente. Sou muito visual. Preciso ver, preciso ler para assimilar. Minha audição precária prega muitas peças em relação ao que escuto. Por isso, nos trabalhos na Casa Espírita, procuro me posicionar de tal maneira que consiga participar e absorver tudo que é falado.
Todas as considerações feitas na Live me fizeram refletir muito. Hoje sinto que preciso procurar um curso de língua de sinais, pois um dos meus maiores receios é perder completamente a audição do ouvido direito, assim como aconteceu com o esquerdo. E percebo que na Evangelização Infantil precisamos estar preparados para receber crianças e pais com o mesmo problema. É necessário que as Casas se preparem para acolher os surdos, pois todos temos direito ao nosso minutinho com Jesus.
No início fiquei bastante incomodada e muitas vezes tive vergonha de falar que não estava entendendo e admitir o problema de audição. Agora já peço para a pessoa falar mais alto, e explico que tenho deficiência auditiva. E, por vezes, percebo que é como se precisasse sair com uma plaquinha sinalizando o problema. Outras vezes percebo a impaciência das pessoas ao ter que repetir a fala, porque não consegui entender. Algumas até elevam demais o tom da voz, causando um certo desconforto. Uma coisa que me deixa muito triste é, quando ao pedir para repetir algo, às vezes duas, três vezes a mesma coisa, por não ter entendido, o outro fala: “Ah, nada. Deixa pra lá.”
Hoje, com todas as minhas limitações, procuro ser ativa no trabalho da Casa Espírita. Auxilio em outras pastas de trabalho. Hoje estou como Coordenadora Regional da Evangelização Infantil e faço parte da Equipe de Apoio da Evangelização Infantil, onde tenho a oportunidade de conhecer pessoas incríveis como a Viviane Geronymo, a Nika, a Ronise e a Ana Lídia, que me apresentaram o universo amplo e maravilhoso da comunidade surda. Já estou ansiosa pela próxima Live, para ouvir todas as falas com que tanto me identifico. Absorver a experiência dessas meninas é algo extremamente gratificante e nos dá estímulo para melhor nos posicionarmos na vida.
A surdez não me faz uma Evangelizadora incapaz, pois o Amor é uma língua universal e não depende de palavras para ser entendido. Quando exemplifico a resignação, a aceitação e reconheço minha dificuldade, na verdade estou evangelizando. E o Evangelho de Jesus me ensina isto, todos os dias.
Chirlene Macedo Aurelio Muniz
Centro Espírita Aprendizes do Evangelho – CEAE
Regional Litoral Centro
1 https://www.youtube.com/watch?v=hyoOXa2jz6g