Telefone de lata

Telefone de lata

– Olha papai, as bruxas estão nos seguindo, vamos acabar com elas!

– Não se preocupe minha princesa, o seu guerreiro está aqui para te proteger!

E com golpes de espada feita de cabo de vassoura, papai gritava:

– Fora daqui, suas bruxas atrevidas! Tomem isso e isso! Agora vocês vão aprender a não se meterem mais com os “Guerreiros da Luz”.

– Obrigada papai, você me salvou daquelas bruxas malvadas!

– Não tem de quê, minha querida. Mas esta luta me deixou com muita fome. Que tal voltarmos pra casa e atacar aquele delicioso bolo de fubá que a vovó preparou?

– Boa ideia, meu guerreiro preferido! Atacar!

Assim eram as nossas tardes, cheias de brincadeiras e histórias. E numa dessas tardes, meu pai disse que faríamos um telefone de lata.

– Um telefone de lata? Como é isso? – Perguntei curiosa.

– Já vai saber, vamos fabricar um.

Ele pegou duas latas de massa de tomate, marcou o centro no fundo das latas e furou. Depois pegou um barbante comprido e pediu que eu o ajudasse a trança-lo, em seguida passou uma ponta do barbante no furo da lata e deu um nó para fixá-lo, e fez o mesmo com a outra ponta na outra lata. Pronto! Para minha alegria estava feito o telefone de lata.

Meu pai pegou uma lata e me deu a outra, pediu que o barbante ficasse bem esticado e começamos a falar. Eu ouvia direitinho o que ele falava.

– Alô! O tatu tá ai?

– Alô! O tatu não tá! O tatu tá trabalhando, daqui a pouco o tatu tá!

Era o meu brinquedo favorito. Todos os dias a gente conversava no telefone de lata.

Um dia eu estava cantando para o meu pai no telefone, quando ele faz uma cara estranha, parecia sentir dor, pôs a mão no peito e caiu. Gritei para minha mãe, que veio correndo e me levou para dentro. Queria ficar com meu pai, mas não deixaram. Pude ver pela janela quando chegou um carro branco, colocaram meu pai lá dentro e foi embora com a sirene gritando e luzes vermelhas piscando. Foi a última vez que vi o meu pai.

– Não chore minha filha, logo sua mãe vai trazer seu pai de volta, você vai ver. Agora durma, está bem. – Dizia minha avó tentando me acalmar.

De manhã, quando acordei, vi muita gente em casa, minha avó e minha mãe choravam muito.

– Mãe, cadê meu pai? Eu quero ficar com ele! – Perguntei chorando.

– Filhinha, seu pai não pode mais ficar com a gente. Ele foi morar lá no céu, junto com Deus.

– Eu não quero que ele vá morar com Deus, eu quero que ele more aqui com a gente!

O desespero tomou conta de mim. Não me imaginava sem o meu pai, ele tinha tantas coisas pra me ensinar, histórias pra me contar. Eu precisava muito dele, não conseguia me ver sem os seus cuidados, seu abraço, seu beijo, seu amor, seu sorriso.

Três dias depois da morte do meu pai, peguei o telefone de lata, na esperança de poder falar com ele. Deus, com certeza, permitiria que ele falasse comigo. Enrosquei uma das latas no galho da jabuticabeira, estiquei o barbante e telefonei.

– Alô! Pai, você está aí? Fala comigo, estou com muita saudade de você! Alô! Pai!

– Alô, pequena!

– Pai é você? Eu sabia!

– Não, minha menina, não é seu pai. Sou eu, seu anjo guardião.

– Eu quero falar com meu pai, por favor! Você pode dizer que eu preciso muito falar com ele?

– Eu sinto muito, ele não pode atender neste momento, por isso estou aqui.

– Se você pedir pra Deus, Ele vai deixar! Por favor, meu pai deve estar precisando de mim.

– Eu entendo a sua dor. Não se preocupe, seu pai está bem, só não pode falar contigo agora. Sei que é difícil para você, que a saudade é imensa, mas precisa ser forte. Seu pai continua te amando muito.

– Eu quero ficar com ele! Por que ele teve que morrer, as pessoas não deviam morrer!

– A morte não existe. Você ainda é criança para entender isso, mas um dia entenderá. Deus precisa dele lá no céu.

– Mentira! Deus é adulto, não precisa de ninguém! Eu sou criança, eu preciso do meu pai pra ficar comigo, pra me proteger. Por que está fazendo isso comigo? Não quero mais falar com você! E pode dizer pra Deus que eu to de mal com Ele, e com você também!

Desliguei o telefone enquanto meu anjo dizia alguma coisa.

– Sinto muito minha pequena, o tempo se encarregará de curar a sua dor. Estarei te amparando na sua jornada.

 

O tempo passou, mas a saudade não. Hoje estou com quinze anos e já fiz as pazes com Deus e com meu anjo guardião.

Acordei pensando no meu pai, uma saudade diferente, mais leve, gostosa, saudade de quando ele brincava comigo. Fui até o baú grande de madeira, pintado de branco, com vários bichos desenhados e detalhes em pátina rosa, que ele fez para mim quando eu tinha pouco mais de um ano de idade. Comecei a mexer nos brinquedos e achei o telefone de lata, senti algo diferente em mim. Peguei o telefone, fui até a jabuticabeira, enrosquei uma das latas no galho estiquei o barbante e telefonei.

– Alô! O tatu tá ai?

E para maior alegria da minha vida, alguém respondeu:

– Alô! O tatu não tá! O tatu tá trabalhando, daqui a pouco o tatu tá!

– Pai! É você?

– Sim, sou eu, minha pequena!

– Pai! Que saudade! – falei com os olhos cheios d’água.

– Ah! Que felicidade poder falar com você, minha filha! Como você cresceu!

– É pai, agora já sou uma bebê mocinha.

– Você está linda, minha pequena, linda!

– Pai, como tem sido difícil sem você aqui, sinto tanto sua falta!

– Não chore meu amor. Posso imaginar o seu sofrimento mas, acredite, sua dor é a mesma que dói em mim. Também sinto muito a sua falta, sinto saudade de sua mãe, sua avó, de todos. Mas hoje eu pude falar com você e essa alegria é maior do que qualquer dor.

– Pra mim também, pai, não imagina quanto!

– Lembra, minha filha, quando eu te dizia que somos “guerreiros da luz”?

– Sim pai, eu lembro.

– Continue sendo essa “guerreira da luz” siga sua vida no caminho do bem. Nos corações desses guerreiros não tem espaço para coisas ruins, como ódio, dor, tristeza. Os corações desses guerreiros estão repletos de amor e luz. Então viva intensamente, nunca deixe de sonhar, tenha respeito com você mesma e com as outras pessoas, sorria sempre, se mantenha atenta aos sinais que a vida nos dá. E o mais importante: seja feliz!

– Tá bem, será assim. Eu prometo, pai. Mas me fala de você, como você está?

– Eu estou muito bem, minha pequena. Sempre cercado de bons amigos, num lugar tranquilo, de muita paz e de uma beleza sem fim. Não se preocupe comigo. Agora preciso desligar, o meu tempo está acabando. Deixo um abraço com muito amor a todos vocês. Não se esqueça de que eu te amo muito.

– Também te amo muito pai!

– Preciso ir.

-Espera pai, quando eu posso telefonar pra você?

– Não pode minha menina. Mas ouça, quando você acordar pensando em mim, com uma saudade leve, gostosa como hoje, saiba que sou eu me envolvendo na sua luz.

Fica bem minha pequena, te amo eternamente. Adeus!

– Te amo eternamente, obrigado por ter sido você o meu pai. Adeus.

Chorava muito, mas era um choro de emoção, de alegria. Depois de um tempo, já mais calma, recolhi o telefone de lata e guardei de volta no baú. Quando passei pela cozinha, minha avó já perguntou:

– Que alegria é essa menina, viu um passarinho verde?

– Não vovó. Telefonei para o meu pai, ele está bem e mandou um beijo com muito amor pra todos.

Um silêncio pairou no ar.

 

Valdo Di Salvi

Casa Alvorada Cristã – Cosmópolis

Regional Campinas